sábado, 20 de agosto de 2011

DOMINGO, 21 DE AGOSTO - SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA - Entendendo a Palavra de Deus.

AO DECLARAR -SE SERVA DO SENHOR, MARIA CONCEBE JESUS E, COMO SINAL DE SEU SERVIÇO, DIRIGE-SE APRESSADAMENTE À CASA DE ZACARIAS, AO ENCONTRO E A SERVIÇO DE ISABEL.

Lc 1,39-56 é a seção que costumamos chamar “a visita de Maria a Isabel”. Pertence aos relatos do nascimento e infância de João Batista e de Jesus. O contexto é das aldeias: Maria é da aldeia de Nazaré e vai a uma aldeia da Judéia para servir. Lucas não pretende, em primeiro lugar, mostrar como isso aconteceu, mas reler esses acontecimentos à luz da morte-ressurreição de Jesus, a fim de iluminar a caminhada das primeiras comunidades cristãs. Não se trata, pois, de curiosidade histórica, mas de leitura teológica. Dividiremos essa seção em dois momentos: vv. 39-45 e vv. 46-56.


a. A Trindade se revela aos pobres (vv. 39-45)

Na anunciação, o anjo informara Maria a respeito da gravidez de Isabel, com a garantia de que nada é impossível para Deus (1,37). Ao declarar-se serva do Senhor (v. 38), ela concebe Jesus e, como sinal de seu serviço, dirige-se apressadamente à casa de Zacarias, ao encontro e a serviço de Isabel (vv. 39-40). A cena mostra o encontro de duas mães agraciadas com o dom da fecundidade e da vida (Isabel era estéril e Maria não teve relações com nenhum homem); mostra também o encontro de duas crianças, o Precursor e o Messias, ambos sob o dinamismo do Espírito Santo. Jesus havia sido concebido por obra do Espírito; João Batista exulta no seio de Isabel que, cheia do Espírito Santo, proclama Maria bem-aventurada. Mas a cena mostra, sobretudo, que a Trindade se revela aos pobres e faz deles sua morada permanente. O Pai havia revelado a Maria o dom feito a Isabel, a marginalizada porque estéril; o Espírito revela a Isabel que Maria, a serva do Pai, se tornou “mãe do Senhor” (v. 43). Assim a Trindade entra na casa dos pobres e humilhados que esperam a libertação. Os nomes das personagens nos ajudam a ver melhor: Jesus (= Deus salva); João (= Deus é misericórdia); Zacarias (= Deus se lembrou); Isabel (= Deus é plenitude); Maria (= a amada). Maria se torna, assim, pioneira insuperável de evangelização, pois leva Jesus-Messias às pessoas.
As palavras de Isabel a Maria (vv. 42b-45) se inspiram nos elogios das mulheres libertadoras do Antigo Testamento: Jael (“Que Jael seja bendita entre as mulheres”, Jz 5,24) e Judite (“Que o Deus Altíssimo abençoe você, minha filha, mais que todas as mulheres da terra”, Jt 13,18; cf. Gn 14,19-20). O v. 42b se inspira, ainda, nas promessas de vida a Israel (“Será abençoado o fruto do seu ventre”, Dt 28,4).
A expressão de alegria de Isabel ao acolher Maria (v. 43) recorda a surpresa de Davi ao acolher a Arca (“Como é que a Arca de Javé poderá ser introduzida em minha casa?”, 2Sm 6,9). Em base a esse paralelismo, alguns veem em Maria a arca da nova Aliança, por ser ela a mãe do menino que é chamado Santo, Filho de Deus (Lc 1,35). Mas o elogio de Isabel a Maria vai além de sua maternidade física. A grande bem-aventurança de Maria é ter acreditado que as coisas ditas pelo Senhor iriam cumprir-se (v. 45). Isso está em perfeita sintonia com o Evangelho de Lucas, no qual ela aparece como modelo do discípulo. O próprio Jesus afirma haver uma bem-aventurança que supera a da maternidade física: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (cf. 11,17-28). Maria, a escrava do Senhor (1,28), merece a bem-aventurança dos ouvintes cristãos a quem Lucas, em At 2,18, chama de servos e servas do Senhor.
Duas são as características mais importantes de Maria no relato da visita a Isabel. E são exatamente as qualidades do discipulado no Evangelho de Lucas: atenção e adesão absolutas à palavra de Deus e, como consequência disso, serviço incondicional a quem necessita. Maria é discípula fiel (em relação a Deus) e solidária (em relação ao próximo).



b. Magnificat: Deus realiza a esperança dos pobres (vv. 46-56)

Algumas observações preliminares ajudarão a entender melhor o Magnificat (cf. VV. AA., Maria no Novo Testamento, Paulus, São Paulo, 1985, pp.150-156). Em primeiro lugar, devemos perguntar se foi Maria quem pronunciou esse hino de louvor que chamamos de Magnificat. Alguns manuscritos atribuem esse hino a Isabel. O Magnificat se inspira fortemente no canto de Ana (1Sm 2,1-10), mãe de Samuel, depois que Deus a livrou da humilhação da esterilidade. Nesse sentido, o hino (sobretudo o v. 48) está mais para Isabel do que para Maria. Porém, a idéia de serva e a expressão “todas as gerações me chamarão de bem-aventurada” (v. 48) se adaptam melhor a Maria.
Em segundo lugar, os estudiosos são concordes em afirmar que o Magnificat, assim como se encontra, não foi composto por Maria. Uma prova disso são os verbos no passado: agiu com a força de seu braço, dispersou, depôs, exaltou, cumulou, despediu etc. (vv. 51-55). Esses verbos no passado revelam que o hino é lido à luz da vida, morte e ressurreição de Jesus. “Deus inverteu o estado de coisas que a crucifixão havia criado”.
Em terceiro lugar, trata-se de descobrir quem compôs esse hino. É bem provável que fosse um hino das primeiras comunidades cristãs, onde se louva a intervenção de Deus em favor dos pobres, humilhados e famintos, contra os orgulhosos, poderosos e ricos (característica dos hinos de louvor). O contraste de sortes ressalta o poder de Deus e as maravilhas que realiza em favor dos pobres, coroando suas esperanças. Lucas atribuiu esse hino a Maria porque ela, mais que todos, expressava os sentimentos e atitudes de compromisso, esperança e confiança no poder de Deus. Lucas foi muito corajoso ao atribuir esse hino a Maria, ressaltando-lhe o valor e a importância enquanto figura representativa de uma coletividade. Ela, portanto, é porta-voz qualificada dos discípulos cristãos, dos pobres que anseiam por libertação. É porta-voz dos oprimidos, pobres, aflitos, viúvas e órfãos. Opostos a esses estavam os ricos, mas também os orgulhosos e autossuficientes que punham suas esperanças nos próprios recursos, não sentindo qualquer necessidade de Deus.
É um texto profético. Não no sentido de previsão do futuro, mas no sentido genuíno da profecia, que pode ser traduzida como denúncia de algo errado e anúncio de uma transformação. Maria é profetisa porque, movida pelo Espírito, encarna os ideais dos profetas do Antigo Testamento, do qual também ela faz parte.
O espírito do Magnificat combina com o da comunidade de Jerusalém em At 2,43-47; 4,32-37, na qual provavelmente o hino tomou corpo, tornando-se canto de louvor pela libertação. Pondo-o nos lábios de Maria, Lucas atribui a ela um papel importante na história da salvação, “um papel representativo que, partindo do relato da infância, penetrará no mistério de Jesus e chegará finalmente à Igreja primitiva” (o.c., p. 156).
O Magnificat, como os salmos do tipo “hino de louvor”, contém uma introdução (vv.46b-47) onde se louva Deus; um corpo (vv. 48-53), que enumera os motivos de louvor (cf. v. 48: porque…), e uma conclusão (vv. 54-55), que ressalta por que Deus agiu assim, cumprindo as promessas feitas aos antepassados. Dentro do hino há pares que fazem de Maria a figura representativa de todo o povo: serva + servo; humilhação/humildade + humildes; a misericórdia de Deus que se estende.. + Deus que se lembra de sua misericórdia.
A introdução vê realizadas as expectativas de Ana (cf. 1Sm 1,11) e do profeta Habacuc (3,18), que traduzem as esperanças dos pobres (‘anawim). Atribuindo a Maria este hino, Lucas a torna intérprete dos anseios dos humilhados que veem, finalmente, realizadas suas esperanças. Todo o ser de Maria é envolvido no louvor (alma + espírito).
O corpo do Magnificat ressalta a ação de Deus em favor dos humilhados (inicia com porque...). Essa ação é descrita como maravilha, termo que, na Bíblia, marca as grandes intervenções de Deus em vista da libertação (por exemplo, o êxodo). A maravilha divina é libertar os que sofrem e esperam nele, exaltando-os e cumulando-os de bens. Os beneficiados são dois: Maria e os necessitados. Os aspectos político e econômico estão bem representados (poderosos destronados; ricos despedidos de mãos vazias).
A conclusão salienta que a ação de Deus em favor dos pobres é fruto da memória de sua misericórdia, renovando hoje os benefícios e opções feitos no passado, mantendo assim a fidelidade prometida a Abraão e a seus descendentes.


Pe. Helder Tadeu
SCIO CUI CREDIDI - Sei em quem Acreditei.

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